quarta-feira, 11 de setembro de 2013

SUTRA DO LOTUS CAPITULO 1

O SUTRA do LÓTUS
 
Traduzido a partir da versão inglesa de Burton Watson 
Capítulo Um: Introdução
 
Assim eu ouvi: 
Certa época, estava Buda em Rajagriha, no monte Gridhrakuta. A acompanhá-lo estava uma multidão de monges em número de doze mil. Todos eram Arhats cujas falhas tinham chegado ao fim, sem mais desejos mundanos, que tinham alcançado o que era de sua vantagem, pondo fim às cadeias da existência, e cujas mentes haviam obtido o estado de liberdade. 
Os seus nomes eram Ajnata Kaudinya, Mahakashiapa, Uruvilvakashiapa, Gaiakashiapa, Nadikashiapa, Shariputra, Grande Maudgalyayana, Mahakatyayana, Anirudda, Kapphina, Gavampati, Revata, Pilindavatsa, Bakkula, Mahakaushtila, Nanda, Sundarananda, Purna Maitrayaniputra, Subhuti, Ananda e Rahula. Todos eram como estes, grandes Arhats bem conhecidos. 
Aí estavam também duas mil pessoas, algumas das quais ainda estavam a aprender e outras tinham completado a sua aprendizagem. 
Aí estava a monja Mahaprajapati com seis mil seguidoras. Aí estava também a mãe de Rahula, a monja Yashodhara, com as suas seguidoras. 
Aí estavam bodhisattvas e mahasattvas, dezoito mil, todos sem regressão na busca de anuttara-samyak-sambodhi. Todos tinham ganho dharanis e eloquência, deleitado-se no ensinamento, e tinham feito girar a irreversível Roda da Lei. Tinham feito oferendas a centenas de milhares de Budas, na presença de vários Budas tinham plantado numerosas raízes de virtude, tendo sido constantemente louvados pelos Budas, treinaram-se na compaixão, sendo valorosos a entrar na sabedoria de Buda, penetraram completamente a grande sabedoria, atingindo assim a outra margem. A sua fama espalhou-se através de mundos incomensuráveis e foram capazes de salvar incontáveis centenas de milhares de seres viventes. 
Os seus nomes eram Bodhisattva Manjushri, Bodhisattva Contemplador dos Sons do Mundo [Avalokitesvara], Bodhisattva Investido da Grande Autoridade, Bodhisattva Esforço Constante, Bodhisattva Sem Descanso, Bodhisattva Palmeira de Jóias, Bodhisattva Rei da Medicina, Bodhisattva Dador Intrépido, Bodhisattva Lua de Jóias, Bodhisattva Luar, Bodhisattva Plenilúnio, Bodhisattva Grande Força , Bodhisattva Força Imensurável, Bodhisattva Transcendência do Triplo Mundo, Bodhisattva Bhradrapala, Bodhisattva Maitreya, Bodhisattva Tesouro de Jóias e Bodhisattva Grande Líder. Bodhisattvas e mahasattvas como estes em número de dezoito mil tinham acorrido. 
Nessa altura, o Indra Shakra Devanam com os seus seguidores, vinte mil filhos de deuses, também acorreram. Aí estavam também os filhos dos deuses Lua Rara, Fragrância Penetrante, Brilho de Jóias, e os quatro Grandes Reis Celestiais, com os seus seguidores, dez mil filhos de deuses. 
Estavam presentes os filhos dos deuses Liberdade e Grande Liberdade com os seus seguidores, trinta mil filhos de deuses. Estavam presentes o rei Brahma, Senhor do mundo Saha, o grande Brahma Shikhin e o grande Brahma Brilho Luminoso, todos com os seus seguidores, doze mil filhos de deuses. 
Aí estavam oito reis dragões, o rei dragão Nanda, o rei dragão Upananda, o rei dragão Sagara, o rei dragão Vasuki, o rei dragão Takshaka, o rei dragão Anavatapta, o  dragão Manasvin, o rei dragão Uptalaka, cada um com várias centenas de milhares de seguidores. 
Aí estavam quatro reis kimnara, o rei kimnara Grande Lei e o rei kimnara Sustentando a Lei, cada um com várias centenas de milhares de seguidores. 
Aí estavam quatro reis azura, o rei azura Balin, o rei azura Kharaskandha, o rei azura Vemachitrin e o rei azura Rahu, cada um com várias centenas de milhares de seguidores. 
Aí estavam também quatro reis garuda, o rei garuda Grande Majestade, o rei garuda Grande Corpo, o rei garuda Grande Plenitude e o reigaruda Satisfação dos Desejos, cada um com várias centenas de milhares de seguidores. 
Cada um destes, depois de se prosternar em reverência aos pés de Buda, recuou e tomou assento a um lado. 
Nessa altura, o Honrado Pelo Mundo, rodeado pelos quatro tipos de crentes, recebeu oferendas e sinais de respeito e foi honrado e louvado. Em prol dos bodhisattvas, expôs o sutra do Grande Veículo intitulado Incomensuráveis Significados, uma Lei para instruir os bodhisattvas, uma Lei que é guardada e mantida em mente pelos Budas. 
Quando Buda acabou de expor este sutra, sentou-se em posição de lótus e entrou no samadhi do Lugar de Incomensuráveis Significados, o corpo e mente imóveis. Nesse momento, caiu do céu uma chuva de flores de mandarava, de grandes flores de mandarava, de flores de manjushaka e de grandes flores de manjushaka, espalhando-se sobre Buda e sobre a grande assembleia e todo o mundo de Buda estremeceu em seis direcções diferentes. 
Nessa altura os monges, monjas, irmãos e irmãs leigos, seres celestiais, dragões, yakshas, gandarvas, azuras, garudas, kimnaras, mahoragas, seres humanos e não humanos bem como os reis piedosos e os reis sábios que fazem girar a roda, todos na grande assembleia, tendo ganho o que nunca antes possuíram, encheram-se de alegria, e juntando as palmas das mãos, fitaram Buda com uma só mente. 
Nessa altura, Buda emitiu um raio de luz do tufo de pêlo branco entre as suas sobrancelhas, um dos seus sinais distintivos, iluminando dezoito mil mundos na direcção Oeste. Não houve lugar algum onde a luz não penetrasse, alcançando desde baixo o inferno de Avishi até ao alto, o céu de Akanishtha. 
Ficaram então visíveis os seres vivos nos seis reinos de existência em todos esses outros mundos. Da mesma forma, podiam ser vistos os Budas presentes nesse momento nessas outras terras e eram audíveis os sutras que esses Budas estavam a expor. Ao mesmo tempo, podiam ser vistos os monges, monjas, irmãos e irmãs leigos que tinham encontrado o caminho e desenvolviam práticas religiosas. Podiam ser vistos os bodhisattvas e mahasattvas que, mediante várias causas e condições, vários tipos de fé e compreensão e diferentes formas e aspectos, cultivavam a via do bodhisattva. Podiam também ser vistos os Budas que tinham entrado no parinirvana e torres adornadas com os sete tesouros a serem erigidas para as suas relíquias. 
Nesse momento, o Bodhisattva Maitreya teve este pensamento: O Honrado Pelo Mundo manifestou estes miraculosos sinais. Qual a causa destes auspiciosos indícios? Agora o Buda, o Honrado Pelo Mundo, entrou em samadhi. Um evento tão incompreensível como este é muito raro de presenciar. Quem poderei questionar acerca disto? Quem poderá responder-me? 
E então, teve ainda este pensamento: Este Manjushri, filho de um reido Dharma, já pessoalmente assistiu e deu oferendas a um incomensurável número de Budas no passado. Decerto presenciou já estes raros sinais. Irei questioná-lo. 
Nessa ocasião, os monges, monjas, irmãos e irmãs leigos, bem como os seres celestiais, dragões, espíritos e todos os outros tiveram este pensamento: “Este raio de luz vindo de Buda, estes sinais de poderes transcendentais - quem poderemos questionar acerca deles?” 
Nessa altura o Bodhisattva Maitreya quis esclarecer as suas dúvidas quanto a essa questão. Além disso, podia ver o que ia na mente dos quatro tipos de crentes, os monges, monjas, irmãos e irmãs leigos, bem como os seres celestiais, dragões, espíritos e os outros que constituíam a assembleia. Então questionou Manjushri, dizendo, “Qual é a causa destes auspiciosos sinais, estes indícios de poderes transcendentais, esta emissão de um raio brilhante que ilumina os dezoito mil mundos na região Oeste de tal forma que podemos ver todos os adornos das Terras de Buda aí existentes?” 
Então, o Bodhisattva Maitreya, desejando explicar-se novamente, fez a pergunta em verso: 
Manjushri,
Por que é que desde o tufo branco entre as sobrancelhas
do nosso mestre e instrutor,
brilha esta grande luz?
Por que é que do céu
chovem flores de mandarava e manjushaka
e brisas perfumadas de sândalo
deliciam os corações da assembleia?
Devido a isto,
em toda a parte a terra está adornada e purificada
e este mundo
estremece em seis diferentes direcções.
Com isto, os quatro tipos de crentes
encheram-se de alegria e deleite,
e rejubilam no corpo e na mente,
tendo obtido o que nunca antes haviam conseguido.
O raio luminoso de entre as sobrancelhas
ilumina a direcção Oeste
e dezoito mil terras
são da cor do ouro.
Desde o inferno de Avichi
até ao Cume do Ser,
através dos vários mundos,
os seres vivos nos seis caminhos,
o plano para onde tendem os seus nascimentos e mortes,
as boas e más acções,
as agradáveis ou adversas recompensas que recebem -
tudo isto pode ser visto daqui.
Podemos também ver os Budas,
esses senhores da sabedoria, leões,
a expor e ensinar sutras subtis,
maravilhosos e supremos.
As suas vozes são claras e puras,
Emitem sons suaves e calmos,
enquanto ensinam inumeráveis milhões de bodhisattvas.
Os seus sons Brahma são profundos e maravilhosos,
provocam deleite em quem os ouve.
Cada um no seu mundo
expõe a Lei correcta,
segundo várias causas e condições
e emprega inumeráveis metáforas,
iluminando a Lei do Buda,
guiando seres vivos até à iluminação.
Se alguém tiver de encontrar problemas,
repugnando a velhice, a doença e a morte,
os Budas ensina-lhe acerca do nirvana,
e explicam-lhe como pôr fim a todas as dificuldades.
Se alguém for afortunado,
tendo no passado feito ofertas aos Budas,
determinado em procurar uma Lei superior,
os Budas expõe a via dos pratyekabuda.
Se houver filhos de Buda
que empreendam várias práticas religiosas,
procurando obter a sabedoria insuperável,
os Budas ensinam a via da pureza.
Manjushri,
tenho estado aqui,
a ver e ouvir desta forma
centenas de milhões de coisas.
Numerosas como são,
falarei delas abreviadamente.
Vejo nestas terras
bodhisattvas tão numerosos como as areias do Ganges,
que de acordo com várias causas e condições
procuram o caminho do Buda.
Alguns deles dão esmolas,
ouro prata, coral,
pérolas, lápis-lazúli,
madrepérola, ágata,
diamantes e outras raridades,
servas e servos, carruagens,
liteiras cravejadas de jóias, palanquins,
apresentando alegremente estes donativos.
Eles faziam tais ofertas à via do Buda,
no desejo de atingir o veículo
que detém a primazia nos três mundos
e é louvado pelos Budas.
Existem alguns bodhisatvas
que oferecem carruagens cravejadas de jóias, puxadas por quadrigas
com armações e pálios floridos
adornando os lados e o topo.
Vejo ainda bodhisattvas
que alegremente oferecem
a pele, mãos e pés,
ou as mulheres e os filhos,
na busca da via inexcedível.
Vejo também bodhisattvas
que alegremente dão
as suas cabeças, olhos, corpos e membros
na busca da sabedoria de Buda.
Manjushri,
vejo reis
a visitar o Buda
para o questionar acerca da via inexcedível.
Põem de lado as boas terras,
os palácios, os servos e servas,
rapam o cabelo e a barba
e envergam as roupas do Dharma.
Vejo também bodhisattvas
convertidos em monges,
a viver sozinhos em quietude,
deleitando-se com a recitação de sutras.
Vejo ainda bodhisattvas
a esforçar-se com vigor e bravura,
internando-se nas montanhas,
com os pensamentos no caminho do Buda.
E vejo-os a renunciar ao desejo,
constantemente imersos na vacuidade e na quietude,
a aprofundar a prática da meditação
até conquistarem os cinco poderes transcendentais.
E vejo bodhisattvas,
a repousar em meditação, as palmas das mãos juntas,
com mil, dez mil versos
a louvar o rei das doutrinas. 
Vejo ainda bodhisattvas,
de profunda sabedoria e firme propósito,
que sabem como questionar os Budas
e aceitar e cumprir tudo o que assim ouvem.
Vejo filhos de Budas
proficientes quer na meditação quer na sabedoria,
que usam imensuráveis números de metáforas
para expor a Lei à assembleia,
que se deleitam no ensino da Lei,
convertem os bodhisattvas,
derrotam as legiões do demónio
e fazem soar os tambores do Dharma.
Vejo bodhisattvas
profundamente imóveis e silenciosos,
honrados por seres celestiais e dragões,
sem que isso os inebrie.
E vejo bodhisattvas
a viver em florestas, emitindo luz,
salvando os que sofrem no inferno,
fazendo-os entrar no caminho do Buda.
Vejo filhos de Buda
que nunca dormem
e que circulam pela floresta
diligentemente à procura do caminho do Buda.
E vejo aqueles que observam os preceitos
numa conduta sem mácula,
pura como jóias ou pedras preciosas,
e dessa forma procuram o caminho do Buda.
E vejo filhos de Buda
Que toleram com força inquebrantável
os insultos e agressões
de pessoas prepotentes e arrogantes,
e dessa forma procuram o caminho do Buda.
Vejo bodhisattvas
Que se furtam à frivolidade, ao riso
e às companhias tolas,
preferindo a companhia dos sábios,
unificando as suas mentes e dissipando a confusão,
pondo ordem nos seus pensamentos na montanha e na floresta
por mil, dez mil, um milhão de anos,
e dessa forma procuram o caminho do Buda.
Vejo bodhisattvas
com bebidas e iguarias deliciosas
e centenas de diferentes poções medicinais,
oferecerem tudo isso ao Buda e aos seus monges;
mantos finos,
vestuário luxuoso e de preço elevado,
ou mantos de valor incalculável,
oferecidos a Buda e aos seus monges;
mil, dez mil, um milhão
de variadas moradias feitas de sândalo
e inúmeros e maravilhosos artigos de enxoval,
oferecidos a Buda e aos seus monges;
imaculados bosques e jardins
onde abundam frutos e flores,
nascentes generosas e lagoas,
oferecidos a Buda e aos seus monges;
ofertas deste tipo,
em inúmeras e maravilhosas variedades
oferecidas de bom grado e sem hesitações
enquanto procuram a via inexcedível.
Ou ainda, bodhisattvas
que expõem a Lei da extinção tranquila
a inumeráveis seres viventes.
Ou ainda bodhisattvas
Que vêem a natureza dos fenómenos
como isenta de dualidade,
sendo como espaço vazio.
E vejo filhos de Buda
cujas mentes não têm apegos,
que usam esta sabedoria maravilhosa
para procurarem a via inexcedível. 
Manjushri,
existem também bodhisattvas
que após o passamento do Buda
fazem oferendas às suas relíquias.
Vejo filhos de Buda
A construir torres votivas
tão numerosas como as areias do Ganges,
ornamentando com elas cada terra,
torres de jóias, altaneiras e maravilhosas,
quinhentas yojanas de altura,
comprimento e largura
exactamente duzentas yojanas,
cada uma destas torres votivas
com os seus mil estandartes e fitas,
com cortinas bordadas com jóias como orvalho
e sinos de jóias tinindo harmoniosamente.
Aí seres celestiais, dragões, espíritos,
seres humanos e não humanos,
com incenso, flores e música
fazem constantemente oferendas.
Manjushri,
estes filhos de Buda,
para fazer oferendas às relíquias,
adornam as torres votivas
de modo que cada terra, tal como é,
é tão excepcionalmente maravilhosa e encantadora
como o celestial rei das árvores
quando as suas flores abrem e desabrocham.
Quando Buda emite um raio de luz
eu e outros membros da assembleia
podemos ver essas terras
em todas as suas variadas e excepcionais maravilhas.
Os poderes sobrenaturais dos Budas
e a sua sabedoria são deveras raras;
emitindo um puro raio de luz,
os Budas iluminam terras sem conta.
Eu e os outros vimos isto,
e ganhamos algo antes desconhecido.
Filho de Buda, Manjushri,
peço-te que esclareças as dúvidas da assembleia.
Os quatro tipos de crentes olham em alegre antecipação,
fitando-nos ambos.
Porquê o Honrado Pelo Mundo
emitiu este raio de luz?
Filho de Buda, dá-me prontamente uma resposta,
esclarece estas dúvidas dando lugar à alegria!
Que ricos benefícios virão
da projecção deste raio de luz?
Deve ser o caso de o Buda querer expor
a maravilhosa Lei por ele obtida
quando se sentou no lugar da iluminação.
Ele deve ter profecias para outorgar.
Ele mostrou-nos terras de Buda -
com o adorno e pureza de múltiplos tesouros,
e nós vimos os seus Budas -
isto não pode ter sido feito sem razões válidas.
Manjushri,
os quatro tipos de crentes, os dragões e espíritos
olham-te cheios de expectativa,
imaginando que explicação irás dar.
 
Nessa altura Manjushri disse ao bodhisattva e mahasattva Maitreya e aos outros grandes homens: “Bons homens, suponho que o Buda, o Honrado Pelo Mundo, deseja expor agora a grande Lei, soprar a concha da grande Lei, bater o tambor da grande Lei, elucidar o significado da grande Lei. Bons homens, vi no passado estes auspiciosos fenómenos entre os Budas, que primeiro emitem um raio de luz como este, e a seguir expõem a grande Lei. Por conseguinte devemos entender que agora, quando o presente Buda manifesta esta luz, acontecerá o mesmo. Ele deseja que todos os seres vivos ouçam e compreendam a Lei, a qual é difícil de ser entendida pelo mundo. Assim manifestou ele estes auspiciosos fenómenos.
“Bons homens, uma vez, num tempo passado, há incontáveis, ilimitados, inconcebíveis asamkhia kalpas, existiu um Buda chamado Brilho do Sol e da Lua (Kandrasûryapradîpa), Tathagata, merecedor de oferendas, de conhecimento recto e universal, de clarividência e conduta perfeitas, bem sucedido, compreendendo o mundo, inexcedivelmente meritório, instrutor de pessoas, mestre de seres celestiais e humanos, Buda, Honrado Pelo Mundo, que expôs a correcta Lei. A sua exposição era boa no início, boa no meio e boa no fim. O significado era profundo e vasto, as palavras eram hábeis e maravilhosas. Era pura e sem misturas, completa, limpa e sem mácula, ostentando as marcas das práticas Brahma.” 
Em prol daqueles que procuravam tornar-se ouvintes, expôs a Lei das Quatro Nobres Verdades, de modo a transcenderem o nascimento, a velhice, a doença e a morte e assim alcançarem o nirvana. Em prol dos que procuravam tornar-se pratyekabudas ele expôs a Lei dos doze Nidanas (doze elos da causalidade interdependente). Em prol dos aspirantes a bodhisattvas expôs as seis paramitas, fazendo-os atingir anuttara-samyak-sambodhi e adquirir a sabedoria que abarca todas as espécies.” 
Nessa altura, havia outro Buda também chamado Brilho do Sol e da Lua, e ainda um outro Buda também chamado Brilho do Sol e da Lua. Aí existiam vinte mil Budas como este, todos com o mesmo título, todos chamados Brilho do Sol e da Lua. E todos tinham o mesmo apelido, o apelido Bharadvaja. Maitreya, deves compreender que do primeiro ao último Buda, todos tinham o mesmo título, todos eram nomeados Brilho do Sol e da Lua. Eram merecedores de todos os dez epítetos e a Lei que expunham era boa no início, boa no meio e boa no fim.” 
O último desses Budas, quando não tinha ainda deixado a vida familiar, tinha oito filhos príncipes. O primeiro chamava-se Dotado de Intenção, o segundo Boa Intenção, o terceiro Intenção Desmedida, o quarto Intenção de Jóias, o quinto Intenção Reforçada, o sexto Intenção Limpa de Dúvidas, o sétimo Intenção Reverberante e o oitavo Intenção da Lei. A dignidade e a virtude eram-lhes fáceis e cada um presidia a um reino de quatro continentes.” 
“Quando estes príncipes ouviram dizer que o pai tinha abandonado a vida familiar e ganho anuttara-samyak-sambodhi, renunciaram todos às suas posições principescas e seguiram-no, deixando também as suas famílias. Concebendo um desejo pelo Grande Veículo, levaram constantemente a cabo práticas Brahma, e todos se tornaram mestres da Lei. Tinham plantado já raízes de virtude na companhia de mil, dez mil Budas.” 
Nessa ocasião o Buda Brilho do Sol e da Lua ensinou o sutra do Grande Veículo intitulado Imensuráveis Significados, uma Lei para instruir os Bodhisattvas, uma Lei que é guardada e mantida em mente pelos Budas. Quando o ensinamento do sutra chegou ao fim, sentou-se em posição de lótus e entrou no samadhi do Lugar de Incomensuráveis Significados, com o corpo e a mente imóveis. Nesse momento, caiu do céu uma chuva de flores de mandarava, grandes flores de mandarava, flores de manjushaka e grandes flores de manjushaka, espalhando-se sobre o Buda e sobre a grande assembleia e todo o mundo de Buda estremeceu em seis direcções diferentes”. 
“Nessa altura os monges, monjas, irmãos e irmãs leigos, seres celestiais, dragões, yakshas, gandarvas, azuras, garudas, kimnaras, mahoragas, seres humanos e não humanos na assembleia, bem como os reis piedosos e os reis sábios - todos na grande assembleia, obtiveram o que nunca tinham possuido antes e, cheios de alegria, juntaram as palmas das mãos e fitaram o Buda com uma só mente.” 
“Nessa altura, Buda emitiu um raio de luz do tufo de pêlo branco entre as suas sobrancelhas, um dos seus sinais distintivos, iluminando dezoito mil mundos na direcção Oeste. Não houve lugar onde a luz não penetrasse, tal como o viste iluminar agora estas terras de Buda ”. 
Maitreya, deves entender isto; nessa ocasião estavam presentes na assembleia vinte milhões de bodhisattvas, alegres e ansiosos por receberem a Lei. Quando estes bodhisattvas viram esse raio de luz que iluminou em toda a parte as terras de Buda, ganharam o que nunca tinham obtido. Eles quiseram conhecer as causas e condições que ocasionaram essa luz. 
“Nessa altura existia um bodhisattva chamado Maravilhosamente Brilhante (Varaprabha) que tinha oitocentos discípulos. Então o Buda Brilho do Sol e da Lua despertou do seu samadhi e devido ao bodhisattva Maravilhosamente Brilhante, expôs o sutra do Grande Veículo chamado Lótus da Lei Maravilhosa (Saddharma-Pundarika), uma lei para instruir os bodhisattvas, uma Lei que é guardada e mantida em mente pelos Budas. Por dezasseis pequenos kalpas o Buda permaneceu no seu lugar, sem se levantar, e os ouvintes na assembleia também permaneceram sentados por dezasseis pequenos kalpas, com os corpos e mentes imóveis. No entanto, parecia-lhes terem escutado o Buda ensinar durante não mais do que o tempo de uma refeição. Nessa ocasião não havia na assembleia uma única pessoa que no corpo ou na mente tivesse o menor sentimento de cansaço.” 
Quando o Buda Brilho do Sol e da Lua acabou de expor este sutra após um período de dezasseis pequenos kalpas, dirigiu estas palavras aos Brahmas, demónios, shramanas e Brahmans, bem como aos seres celestiais e humanos e aos azuras na assembleia: “Esta noite, à meia noite, o Tathagata extinguir-se-á entrando no nirvana absoluto.” 
“Nessa altura existia um bodhisattva chamado Repositório de Virtudes. O Buda Brilho do Sol e da Lua outorgou-lhe uma profecia, anunciando aos monges, “Este bodhisattva Repositório de Virtudes será o próximo a tornar-se um Buda. Ele será chamado Puro Corpo, Tathagata, arhat, samiak-sambuda.” 
Depois do Buda ter acabado de fazer esta profecia, à meia noite entrou no nirvana absoluto.” 
Após a extinção do Buda, o bodhisattva Maravilhosamente Brilhante promoveu o Sutra do Lótus da Lei Maravilhosa por um período de oito pequenos kalpas completos, expondo-o para outros. Os oito filhos do Buda Brilho do Sol e da Lua reconheceram Maravilhosamente Brilhante como seu mestre. Maravilhosamente Brilhante ensino-os e converteu-os, criando neles a firme determinação de alcançarem anuttara-samyak-samboddhi. Estes príncipes fizeram oferendas a imensuráveis centenas, milhares, dezenas de milhar, milhões de Budas, e depois disso todos eles atingiram a Iluminação. O último a tornar-se um Buda foi chamado Tocha Ardente.” 
Entre os oitocentos discípulos de Maravilhosamente Brilhante havia um chamado Ávido de Fama. Ele ansiava por feitos e aplausos, e apesar de ler e recitar numerosos sutras, não os entendia, mas antes esquecia-os na sua maior parte. Daí ser chamado Ávido de Fama. Apesar disso, porque este homem tinha plantado várias raízes de virtude, foi capaz de encontrar imensuráveis centenas, milhares, dezenas de milhares, milhões de Budas e de fazer-lhes oferendas, de honrá-los, venerá-los e louvá-los.” 
“Maitreya, deves entender isto. O Bodhisattva Maravilhosamente Brilhante que então viveu, pode ele ser por ti conhecido? Ele não era senão eu. E o Bodhisattva Ávido de Fama eras tu.” 
Quando agora observo estes auspiciosos fenómenos, vejo que não diferem do que eu já vi antes. Daí que eu suponha que o Honrado-Pelo-Mundo está em vias de expor o sutra do Grande Veículo chamado Lótus da Lei Maravilhosa, uma Lei para instruir os Bodhisattvas, uma Lei que é guardada e mantida em mente pelos Budas.” 
Então Manjushri, querendo expor novamente, perante a grande assembleia, o sentido das suas palavras,  falou em verso, dizendo: 
Lembro que numa era passada
há imensuráveis, inumeráveis kalpas
houve um Buda, o mais honrado dos homens,
chamado Brilho do Sol e da Lua.
Este Honrado Pelo Mundo expôs a Lei,
salvando imensuráveis seres viventes
e um sem número de milhões de bodhisattvas,
fazendo-os entrar na sabedoria de Buda.
Os oitos filhos príncipes que este Buda gerou
antes de deixar a vida de família,
quando viram que este grande sábio deixara a família
fizeram o mesmo, levando a cabo práticas brahma.
Nessa altura o Buda ensinou o grande Veículo,
um sutra chamado Imensuráveis Significados,
e no meio da grande assembleia
pelo bem das pessoas estabeleceu distinções.
Quando o Buda acabou de expor este sutra
tomou o assento da Lei,
e sentou-se de pernas cruzadas no samadhi
chamado “lugar de imensuráveis significados”.
Dos céus choveram flores de mandarava,
tambores celestiais soaram por si,
e os seres celestiais, dragões e espíritos
fizeram oferendas ao mais honrado dos homens.
Todas as terras de Buda de imediato tremeram grandemente.
O Buda emitiu uma luz de entre as suas sobrancelhas,
manifestando sinais raramente vistos.
Esta luz iluminou a direcção Oeste,
dezoito mil terras de Buda,
mostrando como todos os seres viventes
aí eram recompensados em vida e morte pelas suas acções passadas.
Podíamos ver essas terras de Buda,
adornadas com numerosas jóias,
brilhando com reflexos de lápis-lazúli e cristal
devido à iluminação da luz de Buda.
Podíamos ver também Tathagatas
a alcançar naturalmente a Via de Buda,
de corpos da cor de montanhas douradas,
rectos, imponentes, subtis e maravilhosos.
Era como se do meio de puro lápis-lazúli
surgissem colunas de ouro verdadeiro.
No meio da grande assembleia os Honrados pelo Mundo
expunham os princípios da profunda Lei.
Em sucessivas terras de Buda
incontáveis multidões de ouvintes,
mercê da iluminação da luz de Buda,
ficaram visíveis com suas grandes assembleias.
Aí também existiam monges
a residir no meio de florestas,
esforçando-se por manter puros os preceitos
como se guardassem uma jóia rara. 
Podíamos ver também bodhisattvas
A dar esmolas, sendo pacientes,
numerosos como areias do Ganges, devido à iluminação da luz de Buda.
Podíamos também ver bodhisattvas
absorvidos na pratica da meditação,
de corpos e mentes tranquilos e imóveis,
dessa forma procurando a via insuperável.
Podíamos ver também bodhisattvas
cientes de que os fenómenos são marcados pela tranquilidade e pela extinção,
cada um na sua respectiva terra
ensinando a lei e buscando a suprema iluminação.
Nessa ocasião, os quatro tipos de crentes
ao ver o Buda Brilho do Sol e da Lua
manifestar os seus enormes poderes transcendentais,
rejubilaram nos seus corações,
perguntando-se mutuamente
a causa destes eventos.
O honrado por seres celestiais e humanos
despertou do seu samadhi
e louvou o Bodhisattva Maravilhosamente Brilhante, dizendo,
“Tu és o olho do mundo,
refúgio para todos, em quem podemos ter fé,
capaz de honrar e promover o repositório do Dharma.
A lei que eu ensino -
só tu lhe podes fazer jus.”
O Honrado Pelo Mundo, tendo conferido este louvor,
que fez rejubilar Maravilhosamente Brilhante,
expos o Sutra do Lótus
por dezasseis completos pequenos kalpas.
Ele nunca saiu do seu lugar,
e a suprema e maravilhosa Lei por ele exposta
foi aceite e promovida na íntegra
por Maravilhosamente Brilhante, mestre do Dharma.
Após o Buda ter exposto o Sutra do Lótus,
fazendo toda a assembleia rejubilar,
nesse mesmo dia
anunciou à assembleia de seres celestiais e humanos,
“Já vos transmiti
o significado da verdadeira entidade de todos os fenómenos.
Agora, quando a meia noite chegar
entrarei no nirvana.
Sejam zelosos de todo o coração
e evitem a indolência e a lassidão,
é muito difícil encontrar um Buda -
apenas uma vez em cada milhão de kalpas.”
Quando os filhos do Buda
ouviram dizer que o Honrado Pelo Mundo ia entrar no nirvana,
ficaram cheios de pesar
perguntando-se o porquê da sua eminente partida.
O senhor da sabedoria, Rei do Dharma,
confortou e apaziguou a incontável multidão,
dizendo, “Quando eu entrar no nirvana
não deveis inquietar-vos ou temer!
Este bodhisattva Repositório de Virtudes
após completar o seu percurso sem falhas
será o próximo Buda, chamado Puro Corpo,
e também ele salvará multidões imensuráveis.”
Nessa noite o Buda extinguiu-se,
tal como um fogo se apaga quando se esgota o combustível.
Eles dividiram e acondicionaram as suas relíquias
e construíram um número incontável de torres,
e os monges e monjas
numerosos como as areias do Ganges
redobraram os seus esforços,
procurando alcançar a via insuperável.
O mestre do Dharma, Maravilhosamente Brilhante,
honrado e sustentado pelo repositório do Dharma dos Budas
durante oitenta pequenos kalpas,
propagou largamente o Sutra do Lótus.
Esses oito príncipes
que Maravilhosamente Brilhante converteu
ativeram-se firmemente à via insuperável
sendo assim capazes de encontrar inumeráveis Budas.
Após terem feito oferendas a esses Budas
seguiram a prática do Grande Caminho
e um após outro sucederam-se como Budas,
cada um profetizando o destino do seu sucessor na via de Buda.
O último a tornar-se Buda
foi chamado Tocha Ardente [Dipankara].
Como líder e mestre
salvou imensuráveis multidões.
Este mestre do Dharma, Maravilhosamente Brilhante,
tinha nessa altura um discípulo
cuja mente estava sempre ocupada pelo torpor e pela indolência,
ávido de fama e vantagem;
sempre insaciável por glória
negligenciava e esquecia o que tinha estudado.
Devido a isto foi ele chamado Ávido de Fama
Mas ele tinha também levado a cabo muitas acções meritórias
tendo assim sido capaz de conhecer inumeráveis Budas.
Ele fez ofertas a esses Budas
e seguiu-os praticando o grande caminho,
esmerando-se nas seis paramitas,
e agora ele encontrou o leão dos Shakyas.
No futuro ele tornar-se-á o próximo Buda
e o seu nome será Maitreya,
salvará seres viventes
em números para lá de qualquer cálculo.
Esse que então era o discípulo indolente do extinto Buda
eras tu, e o mestre do Dharma,
Maravilhosamente Brilhante - era eu.
Os sinais são agora como os anteriores fenómenos auspiciosos,
este é um meio hábil usado pelos Budas.
Agora que o Buda emite este raio de luz
está em vias de revelar o sentido da verdadeira natureza dos fenómenos.
Os seres humanos ficarão agora a conhecê-lo.
Juntemos as mãos e aguardemos com uma só mente.
O Buda fará cair a chuva da Lei
que refresca e satisfaz os que buscam o caminho.
Tu que procuras os três veículos,
se tens dúvidas ou inquietações,
o Buda resolvê-las-á para ti.
 
 
Capítulo II

 
 
 

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